Conheci um senhor idoso na minha infância, que na sua simplicidade, quando queria se referir a uma possível confusão, ia logo dizendo: “Tô sentindo cheiro de porva no ar”. Menino ainda, eu não entendia bem o que aquele ancião dizia, até que um dia meu pai me explicou: quando ele dizia “porva” queria dizer pólvora e isso ele dizia por pressentir confusão à vista em algum lugar. Essa conversa, ouvi naquele tempo, que as pessoas colocavam as cadeiras na calçada quando o sol se punha e os vizinhos conversavam até chegar a hora de dormir. Essa hora variava conforme os assuntos… quando a conversa era boa, avançava até tarde, quando não, assim que a canseira batia, recolhiam-se as cadeiras e só voltavam no dia seguinte. Bons tempos!
A pólvora a que se referia aquele senhor, não era de fato a pólvora do revólver, mas ficava claro o que ele queria dizer! Se vivesse hoje aquele senhor certamente diria que tem “cheiro de porva no ar”. Explico! Pela imprensa soube que o Secretário de Cultura da cidade de São Paulo, pretende, já no início de 2020, realizar o festival “Verão Sem Censura”, onde pretende acolher todas as peças teatrais que estejam censuradas no país.
Apesar de afirmar que não será uma medida de antagonismo ao governo federal, diz que será uma resistência pela liberdade de expressão, aos ataques que a classe artística vem recebendo, não só do governo federal, mas de instituições como a Funarte e a Caixa Cultural. Afirma que será uma valorização à cultura.
Uma amostra do que será, já aconteceu: no último dia 11 de outubro em São Paulo, houve a encenação da peça “Res Pública 2023”, que havia sido vetada pela Funarte, segundo a Folha de S.Paulo de 13 de outubro de 2019. Outras peças, segundo a mesma fonte, foram censuradas: “Abrazo” foi cancelada depois da estréia em Recife recentemente; “Gritos” foi suspensa – seria apresentada em Brasília; “Caranguejo Overdrive” programada para ser encenada no Rio de Janeiro, foi cancelada – seus produtores afirmam não saberem a razão e “Res Pública 2023”, fora vetada pelo diretor da Funarte, essa que acabou estreando em São Paulo. Estamos assistindo a um verdadeiro jogo de braço!
Entretanto, o que me inquieta é o que vem pela frente! O começo de 2020 está aí e o tal festival deverá acontecer. As eleições municipais se aproximam e os seus protagonistas querem mostrar força, principalmente se for contra o presidente Bolsonaro, nesse tema de “censura”.
Não será novidade se sentirmos “cheiro de porva no ar”. Esse assunto promete! Ideologicamente está claro que há o confronto!
O próprio jornal – Folha de S.Paulo -, aponta que o secretário de cultura, foi coordenador da juventude quando Marta Suplicy, ainda no PT (2001 a 2004), governava a cidade e que ele é o elo do prefeito Bruno Covas (PSDB) para aproximar-se da esquerda. É visível que o prefeito precisa buscar espaços, pois nas pesquisas seu nome não aparece entre os primeiros, e nem tampouco entre os tucanos seu nome é unanimidade.
O confronto entre o prefeito e o presidente Bolsonaro está posto! O tucano já mostrou que enfrenta o presidente! Em abril passado, disse à Folha que não aceitaria tirar a expressão “golpe” dos livros didáticos, quando se referiam ao movimento dos militares em 1964. No que tange à cultura, o cabeça da chapa (João Dória) no início do governo enfrentou os grafiteiros e propôs a Virada Cultural em locais fechados, enquanto o seu vice (atual prefeito) tem um secretário propenso aos eventos culturais ao ar livre, bem como a arte de rua.
Na verdade, certamente assistiremos a Secretaria de Cultura da cidade de São Paulo insistindo com peças teatrais cujo conteúdo poderá ser contestado pelo governo federal e seus agentes. E o povo, ora o povo, vai assistir ao jogo de braço. Uns aplaudindo e outros criticando.
Se isso vai trazer a esquerda ao lado de Covas, não se sabe.
Seu avô, com quem convivi, tinha outros métodos!
Gilson Alberto Novaes é Professor de Direito Eleitoral no Curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie – “campus” Campinas, onde é Diretor do Centro de Ciências e Tecnologia.