Na última sexta-feira, 28, vinte e cinco senadores paraguaios convocaram uma sessão extraordinária, na tentativa de aprovar uma emenda no Congresso Nacional que tornasse possível a busca pela reeleição presidencial. No Paraguai, a Constituição proíbe a reeleição em qualquer caso, por mandato consecutivo ou não-consecutivo.
Governo e oposição se uniram em torno dessa emenda, com o objetivo de beneficiar seus potenciais candidatos as próximas eleições. Dessa forma, a reeleição do atual presidente Horacio Cartes, como representante dos setores conservadores, e do ex-presidente, Fernando Lugo, como candidato de centro-esquerda, seria possível. Em agosto de 2016, o Congresso já havia recusado uma proposta similar que abriria a possibilidade de reeleição, portanto, o caráter “extraordinário” da sessão e a ausência de todo o parlamento deram um toque autoritário à manobra política.
A população se opôs a medida protestando do lado de fora do Senado, onde a sessão extraordinária era realizada sem acesso ao público. A imprensa paraguaia chamou a ação dos parlamentares de tentativa de “atropelo a Constituição Nacional”. Enquanto dentro da sala a medida era aprovada, a reação do lado de fora surpreendeu: os manifestantes colocaram fogo em parte do prédio do Congresso e, como resposta, a polícia os reprimiu violentamente. O resultado foi um jovem morto dentro do Congresso, 211 prisões durante a madrugada de sexta para sábado e dezenas de feridos.
Com o Congresso em chamas, a pergunta que nos fica é: por que a população reagiu de forma tão enfática a essa tentativa de golpe à democracia? O Paraguai possui uma trajetória política pouco plural, incluindo uma experiência recente com uma ditadura e ainda mais recente de golpe parlamentar.
O Partido Colorado governou o país por cerca de 6 décadas, o que também compreende um período de 35 anos de ditadura militar, entre 1954 e 1989. A ditadura de Stroessner reprimia qualquer manifestação de forma brutal. De fato, a ditadura militar paraguaia foi uma das mais violentas da América Latina. Em um país territorialmente pequeno e com baixa densidade populacional, foram cerca de 400 desaparecidos, 18 mil torturados e 20 mil exilados.
Ao mesmo tempo, o receio de volta ao ambiente antidemocrático é latente desde 2012, ano em que Fernando Lugo foi deposto em um processo de impeachment que durou pouco mais de 24 horas e foi internacionalmente considerado um golpe parlamentar, levando inclusive a suspensão paraguaia no Mercosul. Lugo foi um dos diversos presidentes progressistas que chegaram ao poder na América Latina desde o início dos anos 2000, e foi o responsável pela interrupção de 6 décadas de governança do Partido Colorado.
Após a onda de violência na última sexta-feira, o ambiente parece ter sido controlado por meio da opressão policial e, em especial pelo aparente recuo dos congressistas, que receiam dar continuidade a proposta de reeleição após manifestações tão incisivas.
O excesso de violência visto na capital do país como resposta as manifestações trouxeram as lembranças que a população que viveu a ditadura de Alfredo Stroessner mais teme: o retrocesso.
Estamos vivendo um período onde podemos observar grandes retrocessos em diversas partes do globo. E, por diversas vezes, ficamos desorientados. Não sabemos como reagir para impedir que esses retrocessos tenham curso e se consolidem. Não devemos crer que a saída é a violência, entretanto, a população paraguaia não está disposta a regressar ao passado.
Rafael Almeida Ferreira Abrão é bacharel em Relações Internacionais e mestrando do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual Paulista, Câmpus de Marília.